CRÓNICAS
AGRONÓMICAS
O MOSAICO DA MANDIOCA
AFRICANA
Por José Constantino Sequeira
1. INTRODUÇÃO. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
A doença do mosaico da mandioca tem uma grande importância
económica em África, uma vez que pode diminuir as produções em mais de 70% (2).
É uma doença conhecida desde há muitos anos (15) e o sintoma mais visível consiste
em mosaico e grandes deformações nas folhas (Fig.1). Muitas vezes os sintomas não afectam a totalidade da folha.
Figura 1-Folhas de mandioca com mosaico. À direita uma folha sã
Esta doença está generalizada nos países africanos mas foi
também localizada na Índia e em Ilhas do Oceano Índico.
Por circunstâncias várias, tive a oportunidade de estudar o
mosaico da mandioca e o seu agente causal com alguma profundidade no trabalho
de doutoramento que realizei em Dundee, Escócia, entre 1979 e 1982. Antes
disso, comecei por estudar a doença no Huambo, Angola, no Instituto de
Investigação Agronómica de Angola (IIAA), entre 1969 e 1975, mas com uma
interrupção de 3 anos (1970 a 1973) para cumprimento do serviço militar. Assim,
em 1969, logo após ter terminado o curso de Agronomia, fui trabalhar para o
Departamento de Fitopatologia, onde, juntamente com o colega José Figueiredo
Marques, iniciei o estudo das doenças causadas por vírus nas culturas
tropicais. Entre essas doenças estava o mosaico da mandioca que, na altura, já se
suspeitava ser causado por um vírus. No período em que estive ao serviço no
IIAA, desloquei-me várias vezes a Luanda para, juntamente com o colega
Figueiredo Marques, tentarmos observar partículas de vírus ou outra qualquer
anomalia de natureza viral, nas células e tecidos das folhas de mandioca
afectadas, utilizando um microscópio electrónico que pertencia à Faculdade de
Medicina da Universidade de Luanda. As observações realizadas, tanto a partir de
extractos das folhas como de cortes dos tecidos não conduziram a qualquer
resultado positivo apesar das numerosas tentativas feitas.
Em 1975, deixei de ter condições para continuar os trabalhos
de investigação no IIAA e regressei à Estação Agronómica, em Oeiras, Instituição
onde tinha feito o trabalho de fim de curso de Agronomia sobre as viroses do
morangueiro.
Em 1979 obtive uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian
para efectuar o doutoramento, tendo escolhido, para realizar o meu trabalho, o Scottish
Crop Research Institute (SCRI), localizado perto da cidade de Dundee, na
Escócia, onde trabalhava uma excelente equipa de cientistas, na área da
virologia de plantas.
O tema inicial do doutoramento era o estudo de um vírus de
uma planta hortícola mas, após uma conversa com o meu supervisor, Prof. Bryan
Harrison, este sugeriu que o tema fosse alterado para o estudo de um vírus que
havia sido isolado no Kénia (1, 3) a partir de folhas de mandioca com mosaico e
que estava a ser estudado no SCRI, em colaboração com a equipa do Kénia. Esta
alteração deveu-se ao facto de eu ter referido o meu contacto prévio com a
doença do mosaico da mandioca, em Angola. Passei então a fazer o estudo desse vírus
que tinha sido designado por “Cassava
Latent Virus” dado que os sintomas de mosaico apareciam erraticamente nas
folhas da mandioca e não se sabia, na altura, se era o causador do mosaico, por
não ter sido possível reproduzir a doença a partir de suspensões purificadas do
vírus.
Em 1982 terminei a minha tese de doutoramento intitulada “Purification,
properties and relationships of Cassava Latent Virus” que foi apresentada à
Universidade de Dundee para obtenção do grau de Ph.D. No trabalho que realizei,
tive oportunidade de aperfeiçoar um método de purificação para o vírus e
caracterizá-lo através de várias propriedades (9, 10).
No entanto, faltava confirmar que esse vírus era o causador
da doença do mosaico da mandioca, o que só poderia ser feito reproduzindo a
doença em plantas de mandioca sãs, por inoculação de suspensões do vírus. Essa
confirmação só foi feita em 1983, por Bock & Woods (4), que utilizaram
plantas de mandioca altamente susceptíveis.
A partir dessa data, o vírus “Cassava Latent Virus” passou a
ser designado por “African Cassava Mosaic Virus”, ou seja, Vírus do Mosaico da
Mandioca Africana (VMMA). Nem todos os autores concordam com esta nomenclatura
por existirem estirpes do vírus em países fora do continente africano como, por
exemplo, na Índia.
2. ETIOLOGIA. PROPRIEDADES DOS VIRIÕES
Como se suspeitava desde há muito, a doença do mosaico da
mandioca africana é de etiologia viral.
O vírus causador desta doença foi já caracterizado e
pertence ao grupo dos Geminivírus (6, 7). Trata-se de um vírus de ADN (Ácido
DeoxirriboNucleico) de cadeia simples e possui partículas (viriões) de forma
geminada, com duas partes quase isométricas com cerca de 18 nanómetros (nm) de
diâmetro. A dimensão total de cada
virião é de 18x30 nm aproximadamente (Fig.2).
Figura 2 - Viriões geminados do VMMA. A barra equivale a 50nm
O VMMA é habitualmente transmitido por moscas brancas da
espécie Bemisia tabaci (Fig.3) mas algumas estirpes são também
transmitidas por cigarrinhas (cicadelídeos).
Figura 3 – A mosca branca Bemisia tabaci, vectora do VMMA
O VMMA tem várias estirpes. Bock et al. (5) foram os
primeiros autores a caracterizar o VMMA e a primeira estirpe que isolaram no
Kénia, designaram-na por estirpe T (de Tipo). Posteriormente identificaram, na
região litoral do Kénia, uma outra estirpe a que chamaram estirpe C (de
Coastal).
A estirpe T é a mais vulgar no Kénia e é idêntica às
estirpes identificadas em outros países africanos como Nigéria e Costa do Marfim.
A estirpe de Angola, que serviu de base para os estudos que realizei, é também
idêntica à estirpe T (9).
Na América do Sul existe um vírus designado por Vírus Comum
da Mandioca mas não pertence ao grupo dos geminivírus.
A sequência de nucleotídeos do ADN do VMMA foi determinada
em 1983 (12), pela primeira vez para um geminivírus.
O ADN do VMMA é constituído por moléculas circulares de
tamanhos ligeiramente diferentes (Fig. 4),
com 2779 e 2724 nucleotídeos, designadas
por ADN-1 e ADN-2, respectivamente (13). Existe uma sequência comum de 200
nucleotídeos e só existe infecciosidade com a presença simultânea do ADN-1 e do
ADN-2 (11).
Figura 4 – Moléculas circulares de ADN do VMMA
É no ADN-1 que se localiza o gene da proteína estrutural do vírus.
Para o vírus
maize streak (listrado do milho), que é um geminivírus, Zhang et
al. (16) propõem um modelo estrutural para o virião geminado (Fig. 5). Admite-se que esse modelo será
válido todos os vírus do grupo.
Assim, as
unidades de proteína (capsómeros) constituintes do virião geminado do VMMA, serão
22, ou seja, 11 em cada metade.
Figura 5 – Modelo proposto para o virião dos geminivírus
3. MEDIDAS DE PROTECÇÃO
A protecção relativamente ao Vírus do Mosaico da Mandioca
não é fácil.
Os habituais insectos vectores (moscas brancas)
multiplicam-se muito facilmente e são extremamente eficazes na transmissão.
Basta uma só mosca branca para transmitir o vírus (8). Assim, não parece ser
prático nem rentável o combate aos vectores.
A protecção da mandioca em relação à doença do mosaico,
segundo Thresh & Cooter (14), terá de basear-se em duas medidas principais:
1.
Redução do inóculo, por eliminação das plantas
infectadas e sua substituição por plantas sãs.
2.
Utilização de plantas resistentes obtidas quer por
cruzamentos sucessivos de espécies que já possuem alguma resistência, quer por
engenharia genética, por meio da introdução de genes de resistência.
4. CONCLUSÃO
Sendo a mandioca um produto alimentar de base em muitos
países, sobretudo africanos, a doença do mosaico tem uma enorme importância
económica, devido à grande redução das produções que ocasiona.
Várias instituições, principalmente no Kénia e na Nigéria, têm-se
preocupado com este problema, desenvolvendo estudos aprofundados do agente causal
da doença e avaliando a eficácia das possíveis medidas de proteção.
Apesar de todos os esforços feitos, o mosaico da mandioca
continua a ser um problema preocupante.
Pensamos que,
através da completa identificação de genes que são responsáveis pela
resistência ao mosaico, poderá ser possível, por técnicas de engenharia
genética, produzir plantas de mandioca satisfatoriamente resistentes,
introduzindo esses genes no genoma das plantas. No entanto, dada a contestação
que o uso de plantas transgénicas tem originado, terá de ser feito um estudo muito
completo das possíveis contrapartidas que possam ter os alimentos provenientes
da mandioca transgénica para, no caso de não haver quaisquer inconvenientes
para a saúde, poder ser generalizada a sua utilização.
BIBLIOGRAFIA CITADA
1. Bock,
K.R. 1975. Maize streak, cassava latent and similar viruses. Abstracts of the
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R. 1980. Final Report of the Crop Virology Research Project (July 1973-July
1980). Overseas Administration. London
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K.R. & Guthrie, E.J. 1976. Recent advances in research of cassava viruses
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R., Guthrie, E. J. & Meredith, G. 1978. Distribution, host range,
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8. Seif, A.
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13.
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