Casa do Ribatejo 65

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A UTILIZAÇÃO DA MICROSCOPIA ELECTRÓNICA 
                    NO ESTUDO DOS FITOVÍRUS

1.     Introdução.
A partir da altura em que a microscópia electrónica começou a ser utilizada, o conhecimento dos vírus teve um progresso gigantesco. Pode mesmo dizer-se que o uso do microscópio electrónico foi um “breakthrough” no estudo dos vírus. Data de 1939 a primeira observação de um vírus - o vírus do mosaico do tabaco, por Kausche e colaboradores .  Antes de ser possível observar directamente os vírus, nomeadamente os seus aspectos morfológicos, a sua localização nas células e tecidos dos hospedeiros, bem como as anomalias causadas a nível ultraestrutural, pouco se conseguiu saber sobre estes agentes patogénicos. Os conhecimentos obtidos com os estudos que era possível efectuar, antes do advento da microscopia electrónica, resumiam-se à sintomatologia, à forma de transmissão e um pouco da bioquímica. A microscopia óptica (fotónica) apenas permitia observar algumas inclusões celulares associadas à presença de vírus como, por exemplo, no caso do vírus do mosaico do tabaco (VMT) que induz a formação de inclusões cristalinas. O facto de este vírus atingir concentrações muito elevadas nos tecidos dos hospedeiros, tornou possível obter suspensões de vírus que facilitaram muito os estudos iniciais, sobretudo os conducentes à determinação da natureza dos principais componentes virais (proteína e ácido nucleico). No entanto, só a partir de 1939, com a observação directa do vírus, foi possível levar a cabo estudos sobre a sua morfologia. Verificou-se que o VMT é constituído por partículas (viriões) cilíndricas alongadas, com cerca de 18x300 nm. Posteriormente, graças ao elevado poder resolvente do microscópio electrónico foi possível observar viriões de muitos outros vírus de plantas, assim como a sua localização nas células e tecidos dos hospedeiros. Mais recentemente, tem sido possível observar também as moléculas do ácido nucleico viral.
Embora os estudos iniciais sobre vírus se tivessem centrado num vírus que afecta plantas (o VMT), os conhecimentos adquiridos levaram a conduzir estudos semelhantes sobre vírus que afectam os animais e, nesses estudos, a microscopia electrónica tem desempenhado sempre papel fundamental.

2.     Estudo dos fitovírus por microscopia electrónica
Antes de 1939, os estudos sobre o VMT permitiram determinar várias características do vírus, nomeadamente no que se refere a hospedeiros, sintomas causados, facilidade de transmissão através de extractos infectados e natureza química. No entanto, a maior parte da informação sobre o VMT e, posteriormente, sobre muitos outros fitovírus só foi obtida a partir de 1939, graças ao contributo da microscopia electrónica.
Foi com o uso do microscópio electrónico que se conseguiu finalmente saber que um vírus é constituído por partículas (viriões) onde está contido o genoma que é formado por ácido nucleico (DNA ou RNA). No virião, esse genoma está protegido por uma capa de proteína (capsídeo).

2.1.Estudos morfológicos
Graças à utilização do microscópio electrónico, verificou-se que os fitovírus têm viriões com formas muito diversas (Fig.1).
     Figura 1. Representação esquemática dos vários grupos de vírus de plantas


Assim, por exemplo, o VMT (Fig.2) tem viriões em forma de bastonetes rígidos com cerca de 18x300 nanómetros (nm), enquanto que o vírus Y da batateira (Fig.3) tem víriões flexuosos com 12x700nm, aproximadamente.

                      Figura 2. Viriões do VMT



                     Figura 3. Suspensão purificada do vírus Y da batateira

O vírus do mosaico da mandioca (estirpe africana), que pertence ao grupo dos “Geminivirus”, tem viriões geminados com 18x20 nm (Fig.4 e Fig.5).
               Figura 4. Suspensão purificada do vírus do mosaico da mandioca africana

                     Figura 5. Viriões geminados do vírus da mandioca africana


Existem fitovírus em que o genoma está repartido por viriões com formas diferentes. É o
caso do vírus do mosaico da luzerna que tem viriões baciliformes de 4 tipos diferentes (Fig.6).




                             Figura 6. Suspensão purificada do vírus do mosaico da luzerna.
                             Quando uma suspensão de vírus é centrifugada num gradiente de densidade, são                                                                 identificados vários componentes pelo seu posicionamento: 
                                             Tb - Top component ; M – Middle component e B – Bottom component.
                                             A barra representa 100nm.


Uma grande parte dos fitovírus tem viriões poliédricos ou isométricos, como acontece com o vírus do mosaico das cucurbitáceas que tem viriões com contorno hexagonal (Fig.7), ou o vírus do marmoreado da faveira (Fig.8).
                      Figura 7. Vírus do mosaico das cucurbitáceas

                                     
                       Figura 8 . Vírus do marmoreado da faveira

Como o VMT foi o primeiro vírus a ser estudado, foi também o primeiro a ser observado ao microscópio electrónico. As primeiras imagens obtidas eram de má qualidade  mas levaram desde logo a concluir que o vírus era formado por inúmeras partículas alongadas. Com o aperfeiçoamento dos microscópios electrónicos as imagens passaram a ter uma qualidade muito superior, permitindo estudar diversos aspectos morfológicos como o arranjo das subunidades de proteína que constituem o capsídeo (Fig.9).
                       Figura 9. Representação esquemática do capsídeo do VMT

Além do VMT, numerosos vírus que afectam plantas têm sido estudados e observados ao microscópio electrónico e estudadas as anomalias causadas nas células e tecidos dos hospedeiros. Em alguns casos, a observação dos víriões só foi conseguida depois de muitas tentativas, dada a impossibilidade de purificar esses vírus a partir do hospedeiro original e a grande dificuldade em transmitir o vírus a um hospedeiro a partir do qual fosse  possível a purificação. Foi o caso do vírus do mosaico da mandioca em que os tecidos do hospedeiro contêm latex que impossibilita a purificação. Só foi possível observar os viriões (Fig.4 e Fig.5) quando se conseguiu transmitir o vírus a um outro hospedeiro (Nicotiana benthamiana) e purificá-lo a partir deste hospedeiro.

2.2.Estudos ultraestruturais
Como foi dito, além dos aspectos morfológicos dos viriões, também a sua localização nas células e tecidos dos hospedeiros tem sido estudada com o auxílio da microscopia electrónica, assim como as anomalias causadas pelos vírus nas células e tecidos dos hospedeiros. A presença de viriões no citoplasma tem sido observada frequentes vezes e, em alguns casos, tem sido possível observar a presença de viriões nas aberturas (plasmodesmata) existentes na parede celular, levando assim a concluir que será através dessas aberturas que se dá a passagem dos vírus de célula a célula.
A análise ultraestrutural das células e tecidos infectados tem sido de grande utilidade no estudo dos fitovírus. Ficou a saber-se que alguns vírus se acumulam nas células formando  inclusões citoplásmicas onde é possível observar os viriões (Fig.10, Fig.11 e Fig. 12).
              Figura 10. Viriões (V)  no citoplasma de uma célula infectada por um fitovirus

Figura 11. Inclusão citoplásmica de viriões (V) em células de beterraba infectada por vírus


                 Figura 12. Citoplasma de célula infectada, com várias inclusões de viriões

Em alguns casos, as inclusões têm aspecto cristalino (Fig.13), como acontece com o VMT.
                        Figura 13. Inclusão cristalina contendo viriões do VMT

Em muitos casos, a presença do vírus induz a formação de estruturas anómalas (Fig. 14) que, tanto quanto se sabe, resultam da síntese de proteínas induzida nas células do hospedeiro por uma parte do genoma do vírus. No caso dos Potyvírus é frequente a observação deste tipo de anomalias.
                Figura 14. Anomalias causadas por vírus. (P - pinwheel)

O microscópio electrónico, dado o seu elevado poder resolvente, permite ainda a observação directa de moléculas de ácido nucleico, utilizando substâncias que se ligam a essas moléculas e lhes conferem uma espessura suficiente para poderem ser observadas. Foi assim que se verificou que as moléculas do ácido nucleico genómico dos geminivírus são circulares (Fig.15).
Figura 15. Moléculas circulares do ácido nucleico do Vírus do Mosaico da Mandioca Africana


3. Conclusão
Com esta modesta contribuição pretendeu-se dar uma ideia, ainda que pálida, das aplicações da microscopia electrónica ao estudo dos fitovírus.

Além dos fitovírus, têm sido estudados através da microscopia electrónica os vírus que afectam animais assim como numerosos microrganismos observáveis ao microscópio óptico mas cujo estudo ficará muito mais completo com a utilização do microscópio electrónico, tanto de transmissão como de varrimento. A utilização do microscópio electrónico generalizou-se desde o seu aparecimento e praticamente todas as instituições de investigação e de ensino dispõem hoje deste valioso instrumento de trabalho.

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José Constantino Sequeira