A UTILIZAÇÃO DA MICROSCOPIA ELECTRÓNICA
NO ESTUDO DOS FITOVÍRUS
1.
Introdução.
A partir da altura em que a microscópia
electrónica começou a ser utilizada, o conhecimento dos vírus teve um progresso
gigantesco. Pode mesmo dizer-se que o uso do microscópio electrónico foi um
“breakthrough” no estudo dos vírus. Data de 1939 a primeira observação de um
vírus - o vírus do mosaico do tabaco, por Kausche e colaboradores . Antes de ser possível observar directamente os
vírus, nomeadamente os seus aspectos morfológicos, a sua localização nas
células e tecidos dos hospedeiros, bem como as anomalias causadas a nível ultraestrutural,
pouco se conseguiu saber sobre estes agentes patogénicos. Os conhecimentos
obtidos com os estudos que era possível efectuar, antes do advento da
microscopia electrónica, resumiam-se à sintomatologia, à forma de transmissão e
um pouco da bioquímica. A microscopia óptica (fotónica) apenas permitia
observar algumas inclusões celulares associadas à presença de vírus como, por
exemplo, no caso do vírus do mosaico do tabaco (VMT) que induz a formação de
inclusões cristalinas. O facto de este vírus atingir concentrações muito
elevadas nos tecidos dos hospedeiros, tornou possível obter suspensões de vírus
que facilitaram muito os estudos iniciais, sobretudo os conducentes à
determinação da natureza dos principais componentes virais (proteína e ácido
nucleico). No entanto, só a partir de 1939, com a observação directa do vírus,
foi possível levar a cabo estudos sobre a sua morfologia. Verificou-se que o
VMT é constituído por partículas (viriões) cilíndricas alongadas, com cerca de
18x300 nm. Posteriormente, graças ao elevado poder resolvente do microscópio
electrónico foi possível observar viriões de muitos outros vírus de plantas, assim
como a sua localização nas células e tecidos dos hospedeiros. Mais recentemente,
tem sido possível observar também as moléculas do ácido nucleico viral.
Embora os estudos iniciais sobre vírus
se tivessem centrado num vírus que afecta plantas (o VMT), os conhecimentos
adquiridos levaram a conduzir estudos semelhantes sobre vírus que afectam os
animais e, nesses estudos, a microscopia electrónica tem desempenhado sempre papel
fundamental.
2. Estudo
dos fitovírus por microscopia electrónica
Antes de 1939, os estudos sobre o
VMT permitiram determinar várias características do vírus, nomeadamente no que
se refere a hospedeiros, sintomas causados, facilidade de transmissão através
de extractos infectados e natureza química. No entanto, a maior parte da
informação sobre o VMT e, posteriormente, sobre muitos outros fitovírus só foi obtida
a partir de 1939, graças ao contributo da microscopia electrónica.
Foi com o uso do microscópio
electrónico que se conseguiu finalmente saber que um vírus é constituído por
partículas (viriões) onde está contido o genoma que é formado por ácido
nucleico (DNA ou RNA). No virião, esse genoma está protegido por uma capa de
proteína (capsídeo).
2.1.Estudos morfológicos
Graças à utilização do microscópio
electrónico, verificou-se que os fitovírus têm viriões com formas muito
diversas (Fig.1).
Figura 1. Representação esquemática dos vários grupos de vírus de
plantas
Assim, por exemplo, o VMT (Fig.2) tem
viriões em forma de bastonetes rígidos com cerca de 18x300 nanómetros (nm),
enquanto que o vírus Y da batateira (Fig.3) tem víriões flexuosos com 12x700nm,
aproximadamente.
Figura 2. Viriões do VMT
O vírus do mosaico da mandioca
(estirpe africana), que pertence ao grupo dos “Geminivirus”, tem viriões
geminados com 18x20 nm (Fig.4 e Fig.5).
Figura 4. Suspensão purificada do vírus do mosaico da mandioca africana
Figura 5. Viriões geminados do vírus da mandioca africana
Existem fitovírus em que o genoma
está repartido por viriões com formas diferentes. É o
caso do vírus do mosaico da luzerna
que tem viriões baciliformes de 4 tipos diferentes (Fig.6).
Figura 6. Suspensão purificada do vírus do mosaico da luzerna.
Tb - Top component ; M – Middle
component e B – Bottom component.
A barra representa 100nm.
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Uma grande parte dos fitovírus tem
viriões poliédricos ou isométricos, como acontece com o vírus do mosaico das
cucurbitáceas que tem viriões com contorno hexagonal (Fig.7), ou o vírus do marmoreado
da faveira (Fig.8).
Figura 7. Vírus do mosaico das cucurbitáceas
Figura 8 . Vírus do marmoreado da faveira
Como o VMT foi o primeiro vírus a
ser estudado, foi também o primeiro a ser observado ao microscópio electrónico.
As primeiras imagens obtidas eram de má qualidade mas levaram desde logo a concluir que o vírus
era formado por inúmeras partículas alongadas. Com o aperfeiçoamento dos
microscópios electrónicos as imagens passaram a ter uma qualidade muito
superior, permitindo estudar diversos aspectos morfológicos como o arranjo das
subunidades de proteína que constituem o capsídeo (Fig.9).
Figura 9. Representação esquemática do capsídeo do VMT
Além do VMT, numerosos vírus que
afectam plantas têm sido estudados e observados ao microscópio electrónico e
estudadas as anomalias causadas nas células e tecidos dos hospedeiros. Em
alguns casos, a observação dos víriões só foi conseguida depois de muitas
tentativas, dada a impossibilidade de purificar esses vírus a partir do
hospedeiro original e a grande dificuldade em transmitir o vírus a um
hospedeiro a partir do qual fosse possível a purificação. Foi o caso do vírus do
mosaico da mandioca em que os tecidos do hospedeiro contêm latex que
impossibilita a purificação. Só foi possível observar os viriões (Fig.4 e Fig.5)
quando se conseguiu transmitir o vírus a um outro hospedeiro (Nicotiana benthamiana) e purificá-lo a
partir deste hospedeiro.
2.2.Estudos ultraestruturais
Como foi dito, além dos aspectos
morfológicos dos viriões, também a sua localização nas células e tecidos dos
hospedeiros tem sido estudada com o auxílio da microscopia electrónica, assim
como as anomalias causadas pelos vírus nas células e tecidos dos hospedeiros. A
presença de viriões no citoplasma tem sido observada frequentes vezes e, em
alguns casos, tem sido possível observar a presença de viriões nas aberturas
(plasmodesmata) existentes na parede celular, levando assim a concluir que será
através dessas aberturas que se dá a passagem dos vírus de célula a célula.
A análise ultraestrutural das
células e tecidos infectados tem sido de grande utilidade no estudo dos
fitovírus. Ficou a saber-se que alguns vírus se acumulam nas células
formando inclusões citoplásmicas onde é
possível observar os viriões (Fig.10, Fig.11 e Fig. 12).
Figura 11. Inclusão citoplásmica de viriões (V) em células de beterraba
infectada por vírus
Figura 12. Citoplasma de célula infectada, com várias inclusões de
viriões
Em alguns casos, as inclusões têm aspecto
cristalino (Fig.13), como acontece com o VMT.
Figura 13. Inclusão cristalina contendo viriões do VMT
Em muitos casos, a presença do
vírus induz a formação de estruturas anómalas (Fig. 14) que, tanto quanto se
sabe, resultam da síntese de proteínas induzida nas células do hospedeiro por
uma parte do genoma do vírus. No caso dos Potyvírus é frequente a observação
deste tipo de anomalias.
Figura 14. Anomalias causadas por vírus. (P - pinwheel)
O microscópio electrónico, dado o
seu elevado poder resolvente, permite ainda a observação directa de moléculas
de ácido nucleico, utilizando substâncias que se ligam a essas moléculas e lhes
conferem uma espessura suficiente para poderem ser observadas. Foi assim que se
verificou que as moléculas do ácido nucleico genómico dos geminivírus são
circulares (Fig.15).
Figura 15. Moléculas circulares do ácido nucleico do Vírus do Mosaico
da Mandioca Africana
3. Conclusão
Com esta modesta contribuição pretendeu-se
dar uma ideia, ainda que pálida, das aplicações da microscopia electrónica ao
estudo dos fitovírus.
Além dos fitovírus, têm sido
estudados através da microscopia electrónica os vírus que afectam animais assim
como numerosos microrganismos observáveis ao microscópio óptico mas cujo estudo
ficará muito mais completo com a utilização do microscópio electrónico, tanto
de transmissão como de varrimento. A utilização do microscópio electrónico
generalizou-se desde o seu aparecimento e praticamente todas as instituições de
investigação e de ensino dispõem hoje deste valioso instrumento de trabalho.
* * *
José Constantino Sequeira
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