A fórmula certa
para recuperar solos pobres foi criada por portugueses
NICOLAU FERREIRA,
EM COPENHAGA
Vinte variedades de plantas dão nova
vida a solos. As Pastagens Semeadas Biodiversas sugam mais
dióxido de carbono do ar, enriquecem a terra e alimentam o gado. Projecto
ganhou prémio europeu ambiental
O montado é um ecossistema excelente para a plantação das pastagens biodiversas,
que tornam os sobreiros mais saudáveis
1.
Estas pastagens capturam uma quantidade
anormal de dióxido de carbono, evitando a acumulação de parte do gás que mais
contribui para o efeito de estufa, responsável pelo aquecimento global. Essa
foi uma das razões para o projecto da Terraprima Pastagens Semeadas
Biodiversas ganhar o concurso da Comissão Europeia "Um Mundo Que
me Agrada", entre os 269 projectos concorrentes.
Sempre que Tiago Domingos fala sobre
este projecto, o nome de David Crespo surge imediatamente. No púlpito do Teatro
Real Dinamarquês, em Copenhaga, quando na quinta-feira à noite lhe foi
atribuído o prémio, voltou a contar a história do engenheiro agrónomo que, na
década de 1960, começou a pensar nas pastagens biodiversas.
David Crespo é hoje director do programa
de investigação e desenvolvimento da Fertiprado, a empresa que fundou em 1990.
Em 1966 trabalhava na Estação Nacional de Melhoramento de Plantas. Inspirado
pelas pastagens que os australianos semeavam, onde utilizavam duas ou três
variedades de plantas, o engenheiro começou a pensar como poderia resgatar os
solos pobres portugueses.
"Em Portugal temos imensos solos
diferentes. No mesmo hectare, cada pedaço de terra muda", explica Tiago
Domingos. Os topos dos montes são mais secos e têm menos solo, a terra debaixo
das copas das árvores é mais húmida. A geologia, fundamental na natureza dos
solos, é variada no território português.
David Crespo pensou numa solução
holística. O engenheiro agrícola desenvolveu uma fórmula de 20 variedades
diferentes de plantas que, quando semeadas, respondem localmente. Algumas
tornam-se mais dominantes consoante as condições da terra onde crescem.
O cientista escolheu espécies de
leguminosas e de gramíneas. As primeiras, como o trevo-subterrâneo, têm uma
relação simbiótica com bactérias que se desenvolvem em nódulos nas raízes.
Estas bactérias captam azoto do ar, metabolizam e disponibilizam o azoto à
planta. Desta forma, este nutriente entra no ecossistema sem ser necessário
usar adubos, é depois absorvido pelas gramíneas, que se tornam uma parte
importante do pasto dos animais.
Esta mistura tem uma série de
benefícios. Como as espécies são anuais, resistem ao clima mediterrânico,
produzem sementes e criam no solo um banco de sementes que pode manter a
pastagem por décadas. As raízes das plantas, que também morrem anualmente,
alimentam o solo com nutrientes.
Passados uns anos, estes solos triplicam
a matéria orgânica. As pastagens alimentam mais cabeças de gado e captam mais
dióxido de carbono. Também se verificou que os sobreiros que crescem nestas
pastagens são mais saudáveis, e o solo é mais húmido, resistindo à seca.
Estes benefícios foram bem quantificados
na última década pela equipa de Tiago Domingos. Foi assim que se descobriu que
as pastagens biodiversas captam cinco toneladas de dióxido de carbono por ano
por hectare.
A partir de 2008, a Terraprima obteve
financiamento do Fundo Português de Carbono (FPM) para três projectos que
envolveram mil agricultores. Estes tinham de comprar sementes para a pastagem,
de aceitar cuidar delas segundo as regras da Terraprima e recebiam o apoio dos
seus técnicos. Desta maneira, podiam ganhar entre 150 e 130 euros por hectare,
pelo dióxido de carbono que as suas pastagens captam. É uma ajuda que seduz os
agricultores, mas o trabalho só compensa a longo prazo, com todos os outros
benefícios.
Os projectos do FPM já terminaram, mas
Tiago Domingos espera envolver empresas para assim compensarem as suas emissões
e a indústria alimentar para que os alimentos produzidos nestas pastagens
tenham uma marca distintiva. O prémio europeu "pode ajudar a expandir este
sistema dentro de Portugal e em muitos países".
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