Casa do Ribatejo 65

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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A propósito de posturas de simplicidade


A propósito de posturas de simplicidade
 por João Lourenço

A propósito de posturas arrogantes ou de posturas de simplicidade dos seus protagonistas, ocorre-me citar outro diálogo que teve lugar exactamente no Centro Internacional de Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), onde era Director o Professor Branquinho de Oliveira.
Depois de ter terminado o quinto ano de Agronomia, determinado finalista cuja identidade vou propositadamente omitir, acompanhado de outro colega amigo, dirigiu-se ao CIFC, para ver se conseguia um estágio, na sua especialidade que era de fitopatologia.
Chegaram os nossos amigos ao local pretendido perto das dezoito horas, o pessoal já havia saído, à excepção de um indivíduo já de idade avançada, de cabelos brancos e um grande bigode que, vestido com uma bata branca já muito usada e desgastada, andava àquela hora de Verão, a extirpar à mão umas ervas do jardim.
Caminhando empertigado com passos decididos, o interessado no estágio dirigiu-se ao suposto jardineiro nestes termos:
-“Oh! senhor, eu sou engenheiro agrónomo, vim aqui para falar com o Director, onde é que eu posso encontrar o Professor Branquinho de Oliveira”?
Resposta imediata do interpelado;
-“Sou eu o Branquinho de Oliveira. Um criado para o servir”.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Média estragada

No ano lectivo 1961-62, creio que havia um total de cerca de 350 alunos inscritos nos cinco anos do curso, mais nos primeiros anos do que nos últimos, sendo a crivagem darwiniana feita por factores chamados Sebastião e Silva, Renato, Barreto, Varennes, etc.
Os alunos dividiam-se em quatro categorias: caloiros, veteranos, militares (descritos por José Constantino Sequeira num dos seus episódios sobre o Prof. Barreto) e honorários. Estes últimos mereciam bem esse título: gerações de alunos tiveram-nos como colegas. Eram permanentes (matriculavam-se anos sucessivos), virtuais (só apareciam no ISA no dia exame, talvez uma vez por ano) e persistentes (o seu lema: o curso é para se ir fazendo).
Encontrava-me a tomar a minha “bica” com outros colegas, no Albuquerque - aquela ante-câmara do ISA - quando vimos chegar o Honorário (chamemos-lhe assim, para evitar citar nomes, mas não era dos mais “honorários”). Vinha da Rua Jau, de fato e gravata. Em Julho!... só podia significar que tinha feito um exame oral. Mas não vinha satisfeito e risonho, como habitualmente.  Não tivemos coragem para lhe perguntar como tinha corrido o exame. Mas foi ele que desabafou:
«Acabo de fazer o meu último exame do curso». Um pouco surpreendidos, dissemos-lhe com natural regozijo e quase em uníssono:
- «Eh, pá, parabéns. Dá cá um abraço. Temos de festejar ...»
- «Pois é. Mas o professor estragou-me a média. Deu-me um 11.»
Outra surpresa. Nunca pensei que o Honorário tivesse tido boas notas noutros exames. E comentei:
- «Azar, não é? Correu-te mal? Quando no último exame se deve sair em beleza...»
- «Não é nada disso» – disse-me quase aborrecido. «Em todas as outras trinta e tantas cadeiras que fiz, tive sempre 10. Estragou-me a média, o ...» 
Média estragada no último exame. Já não podia constar no Livro de Recordes do ISA.
José Venâncio Machado

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A praxe na Escola Naval

A praxe na Escola Naval
 por João Lourenço
(No episódio abaixo relatado, além do corpo de oficiais e cadetes da Escola Naval, no Alfeite, estavam presentes seis colegas de Agronomia, que pertenciam ao 7º Curso Especial dos Oficiais da Reserva Naval, (CEORN), nomeadamente:
Manuel Ferreira Lima, Francisco Godinho, Francisco Orey da Cunha, João Boavida Canada, João do Carmo Lourenço, António Baptista de Melo)

Na Escola Naval, a formação dos cadetes da Reserva Naval (milicianos), desenvolvia-se paralelamente à dos cadetes de carreira, embora naturalmente com prazos de duração diferentes.
As camaratas eram vizinhas, comíamos no mesmo refeitório (havia lá dois refeitórios, um para oficiais outro para cadetes, embora neste, numa mesa à parte, comesse o oficial - dia e o cadete - dia).
No primeiro dia a sério da nossa estada na Escola, que foi na segunda-feira seguinte à apresentação, os cadetes de carreira terminaram a refeição mais cedo, pediram, como era da praxe, ao oficial - dia autorização para se levantarem e vieram para o largo (a parada”), sem que antes, ao passarem pelo bengaleiro, não resistissem a fazer uma pequena “praxe” aos cadetes da Reserva Naval.
Diga-se que a praxe que eles fazem aos cadetes caloiros de carreira é bem mais severa do que a que nos fizeram, o que também não era de estranhar, porque enquanto aqueles eram rapazinhos de 18 ou 19 anos, no nosso caso, tínhamos no mínimo 23 anos e havia quem tivesse 25, 26 ou mais, e uma boa parte eram licenciados, alguns já assistentes na Faculdade.
Pois quando acabámos de almoçar, descemos as escadas e dirigimo-nos ao bengaleiro/chapeleiro dos cadetes onde haviam ficado os nossos bonés, colocados segundo o número que cabia a cada um. Encontrámos uma barafunda, com a sua localização completamente alterada e com as capas do boné e os elásticos para fixação do símbolo amarelo da âncora, retirados dos bonés.
Obrigou-nos a uma certa paciência para repor a situação, excepto ao Ferreira Lima, que com o seu feitio muito especial, nos seus 26 anos de idade, achou que não tinha pachorra para tais praxezinhas e então não fez mais nada: perante a barafunda dos bonés dos cadetes dirigiu-se ao local onde se encontravam os bonés dos oficiais e pegou num deles, aquele que melhor se ajustou ao seu tamanho, enfiou-o na cabeça e veio tranquilamente para a parada, onde estavam os cadetes da Escola que tinham preparado a pequena partida.
Bom, aqui virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Os cadetes de carreira quando viram o Ferreira Lima com um boné que era de um Capitão de Fragata (equivalente a Tenente-Coronel) acharam aquela atitude, um sacrilégio ou um crime de lesa-pátria e preocupadíssimos, recomendaram-lhe que fosse rapidamente pôr o boné no lugar, porque se arriscava a um castigo pesado. Longe de provocar o efeito que eles seriamente esperavam, o Ferreira Lima esteve-se “nas tintas”, permaneceu impassível, respondendo que alguém fizera desaparecer o seu boné. Então foi engraçado ver como eles, os autores da praxe, se apressaram a perguntar-lhe pelo seu número e foram eles à procura  do seu boné. Parecia que os praxados eram eles!!!!
O Ferreira Lima já no Instituto Superior de Agronomia era conhecido pela sua forma muito especial de resolver os problemas.



   Comandantes e Imediatos que prestaram serviço na NRP CENTAURO



O NRP “Centauro" - P 1130, foi a quinta de seis LFG's - Lanchas de Fiscalização Grandes, a ser construída nos Estaleiros Navais do Alfeite e a nona de 10 idênticas, pertencentes à mesma classe "Argos".

Aumentada ao efectivo dos navios da Armada em 25 de Abril de 1965.

A LFG “Centauro” deixou Lisboa em 28 de Junho com destino a S. Tomé e Principe onde chegou a 16 de Julho, depois de ter escalado os portos do Funchal e S. Vicente de Cabo Verde.

Efectuou múltiplas missões em Angola e S. Tomé, tendo alternado o tempo de vida operacional entre aqueles dois territórios.

Em Setembro de 1975, em Luanda, foi abatida ao efectivo dos navios da Armada.

Efectuou na totalidade, entre 1964 e 1975, cerca de 7.154 horas de navegação.

Comandaram a LFG "Centauro" os seguintes oficiais dos QP's:
1º TEN Vasco Proença de Oliveira, 1º TEN Pedro Manuel de Vasconcelos Caeiro, 1º TEN Carlos de Almada Contreiras, 1º TEN Carlos António David da Silva Cardoso, 1º TEN João Nuno Ribeiro Ferreira Barbosa e ainda o 1º TEN Joaquim Francisco de Almeida Pais de Villas Boas.

Foram seus Imediatos os seguintes oficiais da Reserva Naval:
2º TEN RN Luis Fernandes Frutuoso da Costa - 7º CEORN, 2º TEN RN João do Carmo Lourenço - 7º CEORN, 2º TEN RN Gabriel Marcelino Barbosa de Almeida - 9º CEORN, 2º TEN RN Nuno Pizarro de Campos Magalhães - 16º CFORN e ainda o 2º TEN Luis Carlos Vieira Ferreira dos QP's.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O ano lectivo 1961/62


O ano lectivo 1961/62 
 por João Lourenço


O ano lectivo 1961/62 tornou-se célebre pelo chamado luto académico com a prolongada greve dos estudantes às aulas e aos exames. Politicamente o país aqueceu. 
O Professor Marcelo Caetano pedira a demissão do cargo de Reitor da Universidade, houve a invasão das instalações universitárias por parte da polícia e a prisão de muitos estudantes. Foi um ano escolar muito agitado.
Como o terceiro período estava a ser anormal, com a ausência dos alunos à 2ª frequência, o que acarretaria o “chumbo” de dezenas de alunos, porque não haveria acesso ao exame final, o Professor Frazão permitiu a realização de uma 3ª frequência, excepcional, à cadeira de Mesologia e Meteorologia Agrícola.
Decorria a prova escrita dessa frequência “excepcional” de tarde, na sala em anfiteatro cheia de alunos, fazia calor e o Professor, homem bem redondo nos seus mais de cem quilos de peso, começou a entrar numa sonolência que, com frequência, lhe cerrava as persianas oculares e o fazia cabecear repetidas vezes.
Os mais audazes, que mesmo com o Professor acordado, não hesitariam em consultar umas cábulas, acharam que aquela postura pacífica do Mestre, constituía um verdadeiro convite a um copianço que nalguns casos já nem era discreto.
À minha frente o Gabriel Gonçalves, poisou as folhas ciclostiladas no chão, junto a ele, descalçou o sapato e, com o dedo grande do pé, virava as folhas do compêndio, à medida que avançava na consulta.
Como as cadeiras onde estávamos sentados tinham um braço que terminava numa espécie de bandeja para suporte do caderno onde escrevíamos os pontos, houve um colega que não se coibiu de pegar no compêndio (constituído por uma série de fascículos dactilografados pela Associação), colocou-o debaixo do caderno onde escrevia, manejando ambos à medida que se servia. A certa altura, este colega descuidou-se e as folhas caíram com grande estardalhaço, despertando o Professor da sua sonolência. A atrapalhação do infractor que seria assim “apanhado com a boca na botija”, era grande e por toda a sala (direi quase toda) gerou-se, rapidamente, um ambiente de expectativa, que foi quebrado de imediato pela calma, pela frieza do colega José Quinta Queimada Lampreia que, pondo-se de pé, se dirigiu ao Professor, ainda meio aturdido pelo barulho que o desassossegara do seu dormitar, nestes termos:
-“Senhor Professor, em meu nome pessoal e com certeza no dos meus colegas, agradecemos-lhe a oportunidade que nos concedeu de realizarmos este exame suplementar, sem o qual teríamos inevitavelmente comprometida a realização da cadeira.”
O Professor sensibilizado, terá ficado satisfeito com a manifestação de gratidão dos seus alunos e entretanto aquele que havia deixado cair as folhas e provocado o estardalhaço, aproveitou a ocasião para ir apanhando, rapidamente todo o material espalhado pelo chão.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O exame de Viticultura

Os exames de Viticultura resumiam-se a uma prova oral ... do próprio professor Marques de Almeida. Explico-me: para o exame de Viticultura – oral, apenas – o aluno tinha de preparar um assunto para desbobinar, mas quando o professor lhe perguntava qual era o tema, em geral era ele próprio quem dissertava sobre o assunto, fazendo do aluno um mero ouvidor.
Isso mesmo foi explicado a um aluno que chegara de Itália quase no final do ano (o pai devia ser um diplomata). E quando foi a sua vez de fazer a oral, o professor naturalmente perguntou-lhe qual era o tema que tinha preparado. O aluno disse-lhe que era sobre a viticultura em Portugal. «Interessante, pode começar» – disse o professor. E o aluno iniciou de uma forma categórica: «Sobre a viticultura em Portugal muito se tem dito e muito se tem escrito». E aguardou uns segundos, à espera que o Professor pegasse no tema. Como não acontecia, aflito, pergunta-lhe: «Sr. Professor, não vai uma ajudinha?!»
José Venâncio Machado

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Outras lembranças dos tempos de estudante


Outras lembranças dos tempos de estudante
Por  João Lourenço

No bar de Agronomia circulavam duas figuras que tendo já deixado de ser alunos continuavam bem conhecidos de todos.
Eram o Eng.º Lagarto e o Eng.º Mercês de Melo (filho).
Tinham de comum o facto de serem agrónomos, o de terem sido assistentes (das cadeiras do grupo das Matemáticas), serem ambos explicadores dessas cadeiras para alguns alunos que tinham explicações desde o início do ano e outros (a grande clientela) que recorriam a eles no aperto dos meses de exame.
Em plena prova escrita do exame de Cálculo Infinitesimal e das Probabilidades, numa tarde quente de Verão, poucos minutos decorridos desde o início do exercício, o contínuo da cadeira, o Sr. Adelino, abriu a porta e pediu licença ao Professor Zózimo Rego, para perguntar se pertencia a algum dos alunos presentes, uma viatura com a matrícula XPTO, que tinha os faróis acesos.
De dedo no ar o proprietário pediu ao professor que o deixasse, num breve instante, ir lá fora apagá-los.
Autorizado o pedido, em menos de cinco minutos voltou o aluno para continuar o exame e tudo correu aparentemente com normalidade. No dia seguinte “ralharam as comadres, soube-se a verdade.”
Vejamos retrospectivamente os acontecimentos.
Pouco tempo depois de apresentado o ponto de exame, um aluno, explicando do Engº Mercês de Melo, estrategicamente sentado próximo de uma janela da sala, que por ser Verão estava aberta, deitou para a rua as perguntas do exame, que foram apanhadas pelo contínuo, Sr. Adelino, cúmplice do plano e estrategicamente colocado, que as levou, rapidamente, ao explicador.
Resolvidas as principais perguntas, foi ocasião do suposto dono do carro vir buscar a solução, quando o Sr. Adelino foi à sala comunicar que havia uma viatura com os faróis acesos.
Copiava-se para ter boa nota, mas de modo a não suscitar desconfianças.
Tudo teria corrido bem se a distribuição do “presentinho” tivesse contemplado todos elementos do grupo organizador. Alguns ficaram excluídos da prenda e foram estes que no dia seguinte deram com a língua nos dentes”. Nem por isso houve consequências. Quem faria a denúncia?
Como a aprendizagem das ciências agrárias, a nível de licenciatura, em Portugal, só existia no Instituto Superior de Agronomia, sito em Lisboa, uma boa percentagem de alunos vinha da província e por isso procuravam alojamento próximo daquela instituição de ensino, para não perderem muito tempo em deslocações e além disso pouparem em custos de transporte.
No Alto de S. Amaro, Alcântara e arredores alugavam-se os quartos para os estudantes, que naquela altura, ano de 1961, um quarto com tratamento de roupas incluindo pequeno almoço, oscilava entre os quatrocentos e quinhentos escudos (400$00/500$00).
O meu primeiro quarto foi na Rua dos Lusíadas, nº 50, 2º Esquerdo. Tinha como patroas duas senhoras, filha e mãe, com cerca de sessenta e oitenta anos respectivamente, sendo a primeira mais surda que a própria mãe.
Só lá estive durante o primeiro período escolar. Fartei-me depressa. Diariamente, saíamos do quarto manhã cedo e só voltávamos depois de jantar porque o tempo era ocupado com as aulas e as refeições tomadas na cantina.
Em certo dia, quando cerca das vinte horas regressava ao quarto, verifiquei que me havia esquecido das chaves lá dentro. Toquei a campainha com certa insistência e teimosia porque sabia das dificuldades auditivas das senhoras, mas não fui atendido. Esperançosamente, admiti que tivessem saído temporariamente, por isso repeti a tentativa por mais duas vezes, até que cerca das vinte e três horas me convenci que não tinha outro remédio que não fosse ir dormir fora, sem pijama e objectos da higiene matinal, sujeitando-me a, no dia seguinte, vestir a mesma roupa e ir para as aulas sem fazer a barba.
Não foi fácil encontrar alojamento ali perto. Acabei por alugar um quarto de fracas condições próximo do Largo do Calvário. No dia seguinte, depois do almoço procurei ir ao quarto para mudar de roupa e fazer a barba.
Quando cheguei a casa, fiquei ainda intranquilo porque aos primeiros toques não obtive reacção. Finalmente uma das senhoras, a mais nova, abriu-me a porta e com um sorrisinho invulgar, exclamou:
-“Então esta noite passou-a fora”?
A expressão da senhora parecia insinuar que a causa da minha ausência nocturna deveria ter sido provocada pela procura da satisfação de desejos carnais que assediam a juventude.
Quando lhe respondi, sisudo, que na véspera, por três vezes, tocara a campainha, sem sucesso, a senhora também mudou de semblante, percebendo da incomodidade por mim passada e da inconveniência da sua insinuação.
No segundo período fui para a então Rua Avelar Brotero (mais tarde  Pedro Calderon) nº22, 4º Dtº, onde um colega cabo-verdiano, o Edgar Lopes de Sousa Pinto(que veio a falecer daí a dois anos) , também tinha um quarto alugado.
Passei ainda por mais três quartos antes de ir, em Outubro de 1964, cumprir o serviço militar na Marinha.
Mas o quarto no 2º Dto, nº 83 da Calçada da Tapada foi onde estive mais tempo e para onde voltei em 1967 para retomar o curso, após ter cumprido as minhas “campanhas africanas”, no serviço militar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Arremedos de "memórias" : os sotaques dos colegas

Arremedos de "memórias" : os sotaques dos colegas
por João Lourenço

Uma vez, estava a turma já na aula à espera do Catedrático da cadeira Mesologia e Meteorologia Agrícola, o Professor Frazão, em ambiente muito barulhento, de tal modo que quando o senhor chegou, fez uma expressão carregada, de pouca satisfação.
O Dourado, que se sentara a meu lado e junto do Edwin, que viera de Goa, também com sotaque muito próprio, virou-se para nós e cochichou:
-“O professor tá fiúlo pá”.
O Edwin que não tinha percebido o conteúdo da frase perguntou-lhe :
-“O que estás a dizer?”.
Apesar do Dourado ter repetido a mensagem algumas três vezes, não se fez entender, o que já estava a irritar quer um quer o outro.
Afinal a tradução do que ele dissera, resumia-se a “o professor está fulo pá”.
De outra vez, numa aula de Microbiologia, o Professor Garcia, mais conhecido pelo “Pipetas”, tinha escrito no quadro preto, em numeração romana de I a X uma classificação já não sei de que espécie, mas, por lapso, omitiu o ponto IX.
O Dourado, que estava no fundo da sala, apercebeu-se da falha e como gostava de protagonismo, rapidamente exclamou, a seguinte frase:
“Oh! senhor professor e então o nuno”?
Como o Professor Garcia não percebera a mensagem, ele repetiu várias vezes “e o nuno” “e o nuno”? (Esclareço que o que ele queria dizer era o nono(ponto IX que faltava, mas a sua pronúncia açoreana soava a nuno).
Um colega, o Nuno Larchet que se encontrava nas primeiras filas, virando-se para trás e já incomodado com a insistência, perguntou ao Dourado:
-“Mas o que é que queres, pá”?
Foi uma cena algo hilariante, com o Professor e o Nuno sem perceberem o que pretendia o Dourado, quando afinal, este só estava a perguntar pelo conteúdo do item nono, de que o professor se esquecera. 
Outro colega da Madeira, o Barrinhos, como o tratávamos, algumas vezes teve dificuldade em se fazer entender ao proferir a seguinte sonorização:
-“Dámelame, pá”.
Só depois de várias insistência, ao mesmo tempo que exibia um cigarro entre dedos é que os interlocutores se apercebiam do que ele queria dizer:
-“Dá-me lume pá”.
Com outro colega, vindo no ano anterior de Goa, a falha de comunicação não resultou da pronúncia mas da expressão - calão que ouvia usar com frequência, mas no plural, e ele naquele caso concreto, utilizou-a no singular. O Venâncio Machado, natural de Goa ouvia, em Portugal, as pessoas dizer, isto vale vinte pausaquilo custadez paus”.
Um dia foi à estação dos correios (CTT) e como a taxa para expedição de uma carta para Portugal continental era de um escudo, ele pediu à senhora que o atendeu, que lhe fornecesse um “selo de um pau”. Gerou-se entre os presentes um certo ar de gozo e a funcionária olhou desconfiada, para o Venâncio, tentando perscrutar se ele estava a brincar ou se estava, inocentemente desenquadrado, fora dos termos do calão.
O seu aspecto de quem vinha de fora do País, valeu-lhe que a funcionária concedesse o benefício da dúvida quanto a uma hipotética atitude provocante.

P.S Registo com pesar, que três dos colegas aqui referidos já não estejam no número dos vivos

sábado, 17 de setembro de 2011

O Bairro e o Palatino

O Bairro e o Palatino

Os alunos do ISA que viviam no “bairro” tinham as suas prerrogativas...

O “bairro” - uma área da cidade que ia do Calvário até às proximidades de Belém, num percurso bíblico inverso - era um ghetto dos alunos do ISA não lisboetas. Trás-montanos, além-tejanos, aquém-tejanos, além-barrocais (também conhecidos por algarvios) e ultra-marinos, aí se aglomeravam, melhor dizendo, se conglomeravam. Nas Ruas Luís de Camões, Jau, dos Lusíadas (três ruas dedicadas ao épico), da Indústria, do Cruzeiro e do Avelar Brotero, havia sempre uma senhora caridosa que dispensava um quarto da sua casa para o Sr. Engenheiro, ainda caloiro, a troco de 350 ou 400 escudos mensais (2 euros?, custa acreditar, ainda para mais com direito ao pequeno-almoço).
Como dizia, os estudantes do bairro tinham os seus privilégios: não tinham que esperar por autocarros para ir às aulas; em vez disso, faziam um saudável percurso de uns  minutos a pé, subindo a Rampa da Asneira ou a Alameda das Olaias (Cercis siliquastrum, Lineu); estudava-se em parceria no silêncio do Jubel; de passagem namorava-se na quietude da Tapada da Ajuda; havia tertúlias espontâneas nos Jardins do Alto S. Amaro, discussões sobre Ionesco, “Dolce Vita”, Antonioni e o seu “Deserto Vermelho”, numa tentativa colectiva para adivinhar que partes do filme teriam sido surripiadas pela implacável censura, e sobre o sexo... dos anjos. Mas sobretudo tinham três centros de lazer, três: o Café Albuquerque, a Tasca do Zé Duarte, célebre pelas suas cadelinhas, e o Palatino.
O Albuquerque, aquele minúsculo café, onde mal cabiam duas mesas, estrategicamente situado na confluência das ruas da Indústria, Jau e Luís de Camões e em frente das paragens do 22, 27 e 38, era como a ante-câmara do ISA, por onde quase todos tinham de passar, mas sobretudo era o centro nevrálgico dos “bairristas”, onde eram partilhados livros, sebentas, apontamentos, notícias, boatos, piadas e lições de “desenrascanço”; um local de concentração mental, para o uso combinado de lógica, raciocínio e premunição no preenchimento dos boletins do totobola; a sala de espera da padaria dos Lusíadas, donde, às três de madrugada, sairia o apetecível pão com chouriço .

E havia o Palatino. Bastava um colega manifestar a sua intenção de ir ao Palatino, para ninguém o deixar ir sozinho; era um dever de solidariedade partilhar esse prazer. O cinema Palatino era um barracão, com plateia e balcão superior. Exibia sempre dois filmes de longa-metragem. Como era possível que dois filmes cuja duração total deveria ser de pelo menos quatro horas, eram exibidos em apenas três horas, das 21.00 às 24.00? Com recurso a cortes dramáticos no celulóide ... porque o operador do projector tinha de chegar ao Cais do Sodré a tempo de apanhar o último cacilheiro.

Naquele dia, um dos filmes era de “suspense”. Os estudantes do bairro em peso para vestirem a pele de detective. No meio do enredo, vê-se a actriz principal a tomar banho numa banheira, imaginamos sem fato de banho, a câmara a percorrer lentamente a borda da tina, mostrando apenas os ombros ensaboados da diva e o rosto, ainda com o penteado impecável, como quando saíra do cabeleireiro; lá fora o presumível assassino tentando abrir uma janela; a assistência com vontade de avisar a actriz do perigo que corria, quando na escuridão do balcão superior alguém grita: malta, aqui de cima vê-se tudo.

Só podia ter acontecido no Palatino e a piada só podia ter partido de um aluno do ISA.



José Venâncio Machado

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

MAIS DOIS EPISÓDIOS ANEDÓTICOS

AINDA COM O PROFESSOR BARRETO

Fazer exame ou pegar um touro
Todos os que tiveram Topografia com o Prof. Barreto sabem que os alunos tinham por ele um grande respeito para não dizer receio ou mesmo terror em alguns casos.
Quando o nosso colega Milho foi fazer o exame de Topografia estava bastante nervoso, apesar de, como sabem, ter sido pegador de touros. O exame até não lhe correu mal e, no fim, o Milho já com uma certa sensação de alívio por antever mais uma aprovação, teve este desabafo infeliz:
-O Sr. Professor quer saber uma coisa? Antes do exame estava com mais medo do Sr. Professor do que de pegar um touro!
Depois de ter saído, e ao fim de algum tempo, o contínuo disse-lhe que o Prof. Barreto queria falar com ele. O Milho pediu licença, entrou na sala e ficou petrificado quando ouviu:
-Sr. Milho! Antes de lhe dar a nota do exame, vai explicar-me muito bem o que queria dizer com essa história de ter mais medo de mim do que de pegar um touro!
Não sei qual foi a explicação que o Milho deu, mas penso que conseguiu sair-se bem daquela inesperada “PEGA DE CARAS”!...

Acordo ou desacordo
Este incidente passou-se com um colega da Guiné, salvo erro o Mário Cabral.
No fim de uma prova escrita de Topografia foram publicadas as notas. O nosso colega foi imediatamente procurar o  Prof. Barreto e entre os dois travou-se o seguinte diálogo:
- Sr. Professor! Preciso de ter uma conversa consigo!
- E por que razão quer ter essa conversa?
- Porque estamos em desacordo!
- Mas desacordo em quê?
- Desacordo na nota que o Sr. Professor me deu!
- E que nota é que eu lhe dei?
- Deu-me 5 valores e eu acho muito pouco!
- Então, afinal estamos de acordo, porque eu também acho muito pouco! 



José Constantino Sequeira