Outras lembranças dos tempos de estudante
Por João Lourenço
No bar de Agronomia circulavam duas figuras que tendo já deixado de ser alunos continuavam bem conhecidos de todos.
Eram o Eng.º Lagarto e o Eng.º Mercês de Melo (filho).
Tinham de comum o facto de serem agrónomos, o de terem sido assistentes (das cadeiras do grupo das Matemáticas), serem ambos explicadores dessas cadeiras para alguns alunos que tinham explicações desde o início do ano e outros (a grande clientela) que recorriam a eles no aperto dos meses de exame.
Em plena prova escrita do exame de Cálculo Infinitesimal e das Probabilidades, numa tarde quente de Verão, poucos minutos decorridos desde o início do exercício, o contínuo da cadeira, o Sr. Adelino, abriu a porta e pediu licença ao Professor Zózimo Rego, para perguntar se pertencia a algum dos alunos presentes, uma viatura com a matrícula XPTO, que tinha os faróis acesos.
De dedo no ar o proprietário pediu ao professor que o deixasse, num breve instante, ir lá fora apagá-los.
Autorizado o pedido, em menos de cinco minutos voltou o aluno para continuar o exame e tudo correu aparentemente com normalidade. No dia seguinte “ralharam as comadres, soube-se a verdade.”
Vejamos retrospectivamente os acontecimentos.
Pouco tempo depois de apresentado o ponto de exame, um aluno, explicando do Engº Mercês de Melo, estrategicamente sentado próximo de uma janela da sala, que por ser Verão estava aberta, deitou para a rua as perguntas do exame, que foram apanhadas pelo contínuo, Sr. Adelino, cúmplice do plano e estrategicamente colocado, que as levou, rapidamente, ao explicador.
Resolvidas as principais perguntas, foi ocasião do suposto dono do carro vir buscar a solução, quando o Sr. Adelino foi à sala comunicar que havia uma viatura com os faróis acesos.
Copiava-se para ter boa nota, mas de modo a não suscitar desconfianças.
Tudo teria corrido bem se a distribuição do “presentinho” tivesse contemplado todos elementos do grupo organizador. Alguns ficaram excluídos da prenda e foram estes que no dia seguinte “deram com a língua nos dentes”. Nem por isso houve consequências. Quem faria a denúncia?
Como a aprendizagem das ciências agrárias, a nível de licenciatura, em Portugal, só existia no Instituto Superior de Agronomia, sito em Lisboa, uma boa percentagem de alunos vinha da província e por isso procuravam alojamento próximo daquela instituição de ensino, para não perderem muito tempo em deslocações e além disso pouparem em custos de transporte.
No Alto de S. Amaro, Alcântara e arredores alugavam-se os quartos para os estudantes, que naquela altura, ano de 1961, um quarto com tratamento de roupas incluindo pequeno almoço, oscilava entre os quatrocentos e quinhentos escudos (400$00/500$00).
O meu primeiro quarto foi na Rua dos Lusíadas, nº 50, 2º Esquerdo. Tinha como “patroas” duas senhoras, filha e mãe, com cerca de sessenta e oitenta anos respectivamente, sendo a primeira mais surda que a própria mãe.
Só lá estive durante o primeiro período escolar. Fartei-me depressa. Diariamente, saíamos do quarto manhã cedo e só voltávamos depois de jantar porque o tempo era ocupado com as aulas e as refeições tomadas na cantina.
Em certo dia, quando cerca das vinte horas regressava ao quarto, verifiquei que me havia esquecido das chaves lá dentro. Toquei a campainha com certa insistência e teimosia porque sabia das dificuldades auditivas das senhoras, mas não fui atendido. Esperançosamente, admiti que tivessem saído temporariamente, por isso repeti a tentativa por mais duas vezes, até que cerca das vinte e três horas me convenci que não tinha outro remédio que não fosse ir dormir fora, sem pijama e objectos da higiene matinal, sujeitando-me a, no dia seguinte, vestir a mesma roupa e ir para as aulas sem fazer a barba.
Não foi fácil encontrar alojamento ali perto. Acabei por alugar um quarto de fracas condições próximo do Largo do Calvário. No dia seguinte, depois do almoço procurei ir ao quarto para mudar de roupa e fazer a barba.
Quando cheguei a casa, fiquei ainda intranquilo porque aos primeiros toques não obtive reacção. Finalmente uma das senhoras, a mais nova, abriu-me a porta e com um sorrisinho invulgar, exclamou:
-“Então esta noite passou-a fora”?
A expressão da senhora parecia insinuar que a causa da minha ausência nocturna deveria ter sido provocada pela procura da satisfação de desejos carnais que assediam a juventude.
Quando lhe respondi, sisudo, que na véspera, por três vezes, tocara a campainha, sem sucesso, a senhora também mudou de semblante, percebendo da incomodidade por mim passada e da inconveniência da sua insinuação.
No segundo período fui para a então Rua Avelar Brotero (mais tarde Pedro Calderon) nº22, 4º Dtº, onde um colega cabo-verdiano, o Edgar Lopes de Sousa Pinto(que veio a falecer daí a dois anos) , também tinha um quarto alugado.
Passei ainda por mais três quartos antes de ir, em Outubro de 1964, cumprir o serviço militar na Marinha.
Mas o quarto no 2º Dto, nº 83 da Calçada da Tapada foi onde estive mais tempo e para onde voltei em 1967 para retomar o curso, após ter cumprido as minhas “campanhas africanas”, no serviço militar.
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