Casa do Ribatejo 65

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quinta-feira, 23 de junho de 2022

 

Uma singela homenagem ao Prof. Eduardo Mendes Ferrão

O Instituto Superior de Agronomia perdeu recentemente mais um dos seus professores da “velha guarda” e com prestígio internacional: Eduardo Mendes Ferrão.

Uma vida inteiramente dedicada ao ensino, investigação agronómica e cooperação com diversas instituições ligadas ao sector agronómico, com curta passagem pela política (não propriamente como político, mas como estadista), o Prof. Mendes Ferrão exerceu os diferentes cargos de que foi incumbido com dedicação, humildade e honestidade, pelo que conheci dele. A obra que deixa, em projetos realizados e em artigos técnicos, palestras e publicações é notável. Quase todos realizados de forma graciosa ou com compensações materiais pouco significativas, como deixa transparecer no seu curriculum. 

Nem todos os alunos do ISA o tiveram como professor, pois era mais dedicado às culturas tropicais. Mas a sua acessibilidade aos alunos e disponibilidade para os apoiar em caso de necessidade era bem conhecida. Foi o que aconteceu comigo. Eu fazia parte do grupo de alunos que integravam a Secção do ISA da Conferência de S. Vicente de Paulo e tinha como uma das tarefas dar apoio ao Sr. Francisco, que vivia com a sua mulher numa barraca situada numa encosta do Casal Ventoso (antigo). Era um bom homem. Numa das vezes em que fui visitá-lo e levar-lhe senhas de mercearia, disse-me que no dia anterior matara uma cobra dentro da sua barraca. Achei que não podiam continuar a viver naquelas condições, numa barraca exígua em espaço, feita de velhas tábuas, ripas de madeira e chapas de amianto. No dia seguinte falei com o Prof. Ferrão, que estava ligado à Conferência de S. V. de Paulo, no sentido de obter dinheiro para melhorar a habitabilidade daquela barraca. O que consegui obter surpreendeu-me. A Câmara Municipal de Lisboa mostrava-se disponível para construir uma pequena habitação em madeira num terreno no bairro da Boa Hora, cedido a título temporário. Sensível a este tipo de problemas, o Prof. Ferrão falara com o então Presidente da CML, Dr. França Borges. Só tive que acertar com o chefe de um dos serviços da CML a execução deste projeto. Com grande satisfação minha, o casal Francisco mudou-se para a sua nova habitação.  

Mais tarde, já como seu aluno no Curso de pós-graduação em Agronomia Tropical, pedi ao Prof. Ferrão para ser o orientador do meu estágio (final) do Curso de Agronomia, tendo ele conseguido obter a verba necessária para a aquisição dos equipamentos e reagentes que eu necessitava para o trabalho que iria iniciar.

O Prof. Ferrão manteve para comigo uma relação de amizade iniciada nessa altura e trocámos uma correspondência regular, na qual gentilmente me informava sobre os projetos em que estava a trabalhar, num afã diário, infatigável quase até ao final da sua vida.

Devo-lhe esta modesta, mas sentida, homenagem.

José Venâncio Machado


Homenagem ao Professor Eduardo Mendes Ferrão

Conheci o Professor Eduardo Mendes Ferrão nos anos 60, talvez em 1967 ou 1968, quando fiz o curso de Agronomia Tropical, professado no Instituto Superior de Agronomia. Éramos poucos alunos, mas muito interessados, principalmente porque pretendíamos exercer actividade técnica ou científica num país tropical, no meu caso em Angola.

Nessa altura, já eu tinha completado a parte didáctica do curso de Engº Agrónomo e, durante o meu trabalho de estágio na Estação Agronómica Nacional, para elaboração da tese final, consegui dispensa para frequentar as aulas do curso de Agronomia Tropical. Além do Prof. Ferrão, houve um outro professor, o Prof. Canhoto Vidal que me marcou e que teve também grande influência no meu percurso científico.

Recordo a visita de estudo à fábrica de cigarros Tabaqueira, em Trajouce, onde o Prof. Ferrão esteve presente e nos mostrou toda a tecnologia envolvida na produção dos cigarros. Foi uma visita que várias vezes recordo com saudade. Recordo também as aulas que o Prof. Ferrão ministrou, no curso de Agronomia Tropical, sempre com grande interesse. Depois disso, passados muitos anos, tive o prazer de voltar a encontrar o Professor Ferrão em 2011, no Restaurante da Pateira, na Tapada da Ajuda, num almoço dos 50 anos do nosso curso de Agronomia. Incluo uma fotografia onde eu estou a conversar com o Prof. Ferrão.


Conservo religiosamente e consulto sempre com muito interesse um dos livros que ele escreveu: “A AVENTURA DAS PLANTAS e os Descobrimentos Portugueses”. Trata-se de uma descrição histórica das principais plantas tropicais, assim como a sua origem e trajecto para Portugal e países de língua portuguesa. É, sem dúvida, um livro muito valioso para consulta.

O Professor Ferrão, que completaria 94 anos em Outubro, deixou-nos. Ficará na memória de quantos o conheceram e é muito justo que se lhe façam merecidas homenagens.

Deixo aqui, como homenagem pessoal, estas simples palavras de recordação.

José Constantino Sequeira