Casa do Ribatejo 65

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Menino ou Menina por João Lourenço

Menino ou Menina por João Lourenço 
Ponderei, várias vezes e hesitei, se deveria dar à estampa a descrição do episódio seguinte, por considerar que, eventualmente, pudesse ser considerado, por parte de algumas colegas, uma brejeirice.
Ainda assim, tendo em conta uma certa liberalização de costumes  em que vamos vivendo, acabei por não resistir à tentação de relatar estes factos, ocorridos na década de sessenta.
Talvez para me desculpabilizar, lembrei-me que, já no início do século XX, época muito mais moralista, Trindade Coelho no seu livro In illo Tempore, contou da vida estudantil, episódios ainda mais picantes.

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Os dias decorriam com o tempo repartido entre as aulas, a cantina, um pouco de actividade desportiva e uns momentos de cavaqueio, na esquina do Albuquerque, um café onde alguns tomavam esta bebida e a maior parte se juntava só para passar uns momentos a conversar sobre os temas mais variados.
Aquele local passou a ser designado como a esquina da má língua e era vulgar as raparigas que caminhavam por perto, quando se apercebiam do enxame estacionado no Albuquerque”, fazerem um desvio e passarem ao largo.
Dos inúmeros temas abordados, estou a lembrar-me que numa das vezes, a seguir ao jantar, um grupo assistia a uma espécie de discussão sobre os factores que determinavam o sexo de uma criança. A conversa prendia a atenção dos circunstantes porque a maioria ou frequentava ainda a cadeira de Genética ou já tinha feito o seu exame.
Embora fosse generalizado o conhecimento de que a determinação do sexo humano dependia da forma como se juntavam os cromossomas sexuais X e Y, originando um menino quando se juntavam XY ou menina se ocorria XX, o colega Vicente dissertava sobre este tema. Não me lembro do apelido deste Vicente para o distinguir de outros dois colegas também Vicente (o Vicente desportista, que jogava rugby e futebol e o Vicente associativo o José Nunes, que reencontrei mais tarde na EPAC).
Pois o Vicente que nessa noite perorava na esquina do Albuquerque, defendia muito seriamente a sua razão da diferenciação sexual que não se filiava na teoria dos cromossomas XX e XY.
Extrapolando o conhecimento da existência dos genes dominantes e dos genes recessivos, arrastou este conceito das dominâncias para outras áreas e afirmava com muita convicção, que se originava menino ou menina consoante tivessem sido dominantes a acção e o fervor paterno ou materno no desempenho sexual, que dava origem à criança. Assim se o pai tivesse exercido uma acção emotiva e fisiológica predominante, isto é, mais fervorosa, saía rapaz, se fosse ao invés saía rapariga.
Este conceito, de início provocou apenas uma leve risada porque se pensou que o Vicente estivesse a parodiar. Mas o seu ar sério e a sua expressão de quase vítima de insulto pela gargalhada produzida, levaram o grupo a ouvi-lo mais atentamente durante alguns minutos mais.
A dada altura, aproximou-se o célebre ribatejano Alcobia, uns anos mais velho que a maioria da malta (forcado, jogador de rugby, amigo da paródia que levou longos anos a tirar o curso). Com o seu ar pachorrento, bonacheirão, resguardado no seu corpanzil de cento e tal quilos, disse gozando, mas com ar muito sério:
-“Não subestimem a teoria do Vicente com essas risadas”.
Devemos ter o espírito aberto às hipóteses que nos possam parecer as mais estranhas. Eu também tenho a minha teoria, diferente da consagrada combinação dos cromossomas X e Y, embora divergente da teoria do Vicente. A justificação para mim é esta:
-“Se quando se encomenda a criança o pai põe pouca lenha no forno, este aquece pouco, sai rapaz. Se põe muita lenha, aquece demasiado o forno, o pão sai rachado, logo é menina”.
Rebentou um trovão de gargalhadas.
O Vicente, “chateado” que nem um peru, rumou para casa.
(Será que o Vicente já sabia, nessa altura, que, quando a temperatura média da areia onde estão em incubação os ovos das tartarugas, atinge determinado valor nascem fêmeas e, ao contrário, abaixo desse valor médio, os nascituros são machos?)

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