Menino ou Menina por João Lourenço
Ainda assim, tendo em conta uma certa liberalização de costumes em que vamos vivendo, acabei por não resistir à tentação de relatar estes factos, ocorridos na década de sessenta.
Talvez para me desculpabilizar, lembrei-me que, já no início do século XX, época muito mais moralista, Trindade Coelho no seu livro In illo Tempore, contou da vida estudantil, episódios ainda mais picantes.
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Os dias decorriam com o tempo repartido entre as aulas, a cantina, um pouco de actividade desportiva e uns momentos de cavaqueio, na esquina do Albuquerque, um café onde alguns tomavam esta bebida e a maior parte se juntava só para passar uns momentos a conversar sobre os temas mais variados.
Aquele local passou a ser designado como a esquina da má língua e era vulgar as raparigas que caminhavam por perto, quando se apercebiam do enxame estacionado no “Albuquerque”, fazerem um desvio e passarem ao largo.
Dos inúmeros temas abordados, estou a lembrar-me que numa das vezes, a seguir ao jantar, um grupo assistia a uma espécie de discussão sobre os factores que determinavam o sexo de uma criança. A conversa prendia a atenção dos circunstantes porque a maioria ou frequentava ainda a cadeira de Genética ou já tinha feito o seu exame.
Embora fosse generalizado o conhecimento de que a determinação do sexo humano dependia da forma como se juntavam os cromossomas sexuais X e Y, originando um menino quando se juntavam XY ou menina se ocorria XX, o colega Vicente dissertava sobre este tema. Não me lembro do apelido deste Vicente para o distinguir de outros dois colegas também Vicente (o Vicente desportista, que jogava rugby e futebol e o Vicente associativo o José Nunes, que reencontrei mais tarde na EP AC).
Extrapolando o conhecimento da existência dos genes dominantes e dos genes recessivos, arrastou este conceito das dominâncias para outras áreas e afirmava com muita convicção, que se originava menino ou menina consoante tivessem sido dominantes a acção e o fervor paterno ou materno no desempenho sexual, que dava origem à criança. Assim se o pai tivesse exercido uma acção emotiva e fisiológica predominante, isto é, mais fervorosa, saía rapaz, se fosse ao invés saía rapariga.
Este conceito, de início provocou apenas uma leve risada porque se pensou que o Vicente estivesse a parodiar. Mas o seu ar sério e a sua expressão de quase vítima de insulto pela gargalhada produzida, levaram o grupo a ouvi-lo mais atentamente durante alguns minutos mais.
A dada altura, aproximou-se o célebre ribatejano Alcobia, uns anos mais velho que a maioria da malta (forcado, jogador de rugby, amigo da paródia que levou longos anos a tirar o curso). Com o seu ar pachorrento, bonacheirão, resguardado no seu corpanzil de cento e tal quilos, disse gozando, mas com ar muito sério:
-“Não subestimem a teoria do Vicente com essas risadas”.
Devemos ter o espírito aberto às hipóteses que nos possam parecer as mais estranhas. Eu também tenho a minha teoria, diferente da consagrada combinação dos cromossomas X e Y, embora divergente da teoria do Vicente. A justificação para mim é esta:
-“Se quando se encomenda a criança o pai põe pouca lenha no forno, este aquece pouco, sai rapaz. Se põe muita lenha, aquece demasiado o forno, o pão sai rachado, logo é menina”.
Rebentou um trovão de gargalhadas.
O Vicente, “chateado” que nem um peru, rumou para casa.
(Será que o Vicente já sabia, nessa altura, que, quando a temperatura média da areia onde estão em incubação os ovos das tartarugas, atinge determinado valor nascem fêmeas e, ao contrário, abaixo desse valor médio, os nascituros são machos?)
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