Casa do Ribatejo 65

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domingo, 16 de outubro de 2011

POR TERRAS DE ÁFRICA


Quando terminei  o curso de Agronomia,  fui para Angola trabalhar no Instituto de Investigação Agronómica que se situava nos arredores do  Huambo (antiga Nova Lisboa). Tendo como sigla IIAA, era conhecido como o Instituto da gargalhada...
Foram tempos vividos com grande empenhamento no trabalho de investigação em curso pois tínhamos um mundo para descobrir e uma multiplicidade de problemas para resolver.
O IIAA tinha centros de estudo em várias zonas de Angola e era sempre com grande interesse e entusiasmo que participávamos nas deslocações a esses centros. 
Durante o tempo em  que estive lá a trabalhar foram-me contados vários  episódios interessantes ocorridos com colegas nossos, alguns dos quais seleccionei  para aqui relatar.

QUAL  É O TRATAMENTO?
Um dos episódios mais interessantes de que tive conhecimento passou-se com um colega nosso mais velho, de nome Ferrão, e que era o Chefe do Departamento de Entomologia.
Um dia, estava ele no seu gabinete, quando entrou de rompante um funcionário, prático agrícola, com uma grande lagarta na mão e a gritar:- Sr. Engenheiro! Veja o que eu encontrei no ensaio do café!
Esse ensaio do café era “a menina dos olhos” de vários Departamentos do IIAA porque se destinava ao estudo da adaptação de cafeeiros ao planalto do Huambo e, como se sabe, o café era uma das principais fontes de riqueza de Angola.
O nosso colega Ferrão, com a calma que lhe era peculiar, olhou para a lagarta e imediatamente a identificou dizendo o respectivo nome em latim.
O funcionário exclamou:-Sr. Engenheiro! O nome da lagarta não interessa, o que eu quero saber é o tratamento que devo aplicar! Isso é que é importante!
O colega Ferrão disse então: - Mas esta lagarta nem costuma atacar o cafeeiro.
Imediatamente o nosso prático agrícola diz: - Se costuma ou não costuma atacar o cafeeiro não sei, a verdade é que ela estava  lá no ensaio!
-Só viu esta ou viu mais alguma?
-Eu corri o ensaio todo, planta por planta e, por enquanto, só vi esta.
-E quer o tratamento para ela?
-Sim, Sr. Engenheiro, isso é que eu agradecia!
-Então veja.
O colega Ferrão, pegou na lagarta, saiu do gabinete e, na rua, colocou a lagarta no chão, esborrachou-a com o pé e disse:
-Pronto já está feito o tratamento!
O funcionário retirou-se pensativo, talvez a fazer conjecturas sobre  a sanidade mental  do Engº Ferrão...

RIZOCTONIA CAFEICOLA?
Outro episódio anedótico foi-me contado por um colega que acompanhou as deslocações de técnicos às zonas de cultura do café. Com o surto da chamada morte súbita do cafeeiro, eram frequentes as deslocações de técnicos do IIAA a essas zonas. Como não se sabia se o problema era de natureza fitopatológica ou se teria por base problemas de solo, de micronutrientes ou outros,  os técnicos que faziam parte dessas missões eram de várias especialidades. Habitualmente ia também um prático agrícola que se mostrava sempre muito interessado em todos os assuntos e escutava com atenção as opiniões dos agrónomos que frequentes vezes questionava. O seu interesse levava-o a ler as publicações sobre o problema da morte súbita e considerava-se até um autodidata com bastantes conhecimentos na matéria.
Numa dessas deslocações, ao ser arrancada uma das plantas mortas, verificou-se a presença de sintomas típicos de um fungo junto à raiz e imediatamente o nosso prático agrícola emitiu a sua opinião:
-Para mim isto é a Rizoctonia cafeicola!
Um  agrónomo micologista que estava presente, perguntou:
-Não quererá dizer  Rizoctonia bataticola?
O prático agricola riu-se incrédulo e disse:
 -Batatícola no café?!!! Por amor de Deus, Sr. Engenheiro... Batatícola é que ela não é de certeza!


UMA BARATA NO CAFÉ
Nas deslocações de técnicos do IIAA à região da Gabela,  era frequente almoçar-se num pequeno restaurante onde uma senhora muito simpática atendia “os senhores engenheiros” com especial deferência.
Num desses almoços, o colega Doutel Serafim, que me contou este episódio, tinha junto de si um agrónomo belga, convidado pelo IIAA a fazer também observações nos cafeeiros afectados, uma vez que tinha trabalhado na cultura do café no Congo ex-belga  e tinha certamente experiênca e conhecimentos sobre os problemas que afectavam o cafeeiro.
Quando no fim do almoço foi servido o café, o colega Doutel Serafim verificou que nadava uma grande barata na chávena do técnico belga. Como este estava em animada conversa com um outro colega e não tinha ainda visto a barata, o nosso colega trocou as chávenas e, discretamente, foi dizer à dona do restaurante o que se tinha passado. Esta pregou logo um raspanete ao empregado gritando:- Parece impossível! Então você serve um café com uma barata lá dentro? E logo para a mesa dos Srs. Engenheiros?
O episódio ficou sanado com a promessa da dona do restaurante de que nunca mais iria acontecer uma coisa daquelas.
Quando no dia seguinte foram almoçar, a dona do restaurente foi rapidamente à mesa onde estavam os nossos colegas e disse:
-Srs. Engenheiros! O problema das baratas está completamente resolvido, graças à minha preocupação. A noite passada estive a matutar  como é que era possível  ir parar uma barata a uma chavena de café e perguntei ao meu marido: - Será que as baratas estão escondidas na máquina do café?
Então, esta manhã  pedi logo ao meu marido para desmontar e limpar a máquina do café e os Srs. Engenheiros nem imaginam os milhares de baratas esmagadas que lá estavam!....
Não sei se nos almoços que se seguiram os nossos colegas pediram café...


O “INSELBERG”
Ainda durante uma das deslocações dos  técnicos do IIAA, aconteceu um outro episódio insólito que me foi também contado por um dos colegas que participava na missão.
No trajecto do Huambo para as zonas de cultura do café, avistava-se na localidade do Alto Hama um afloramento rochoso de grande altura (inselberg) que, na paisagem, se destacava de todo o resto. A primeira vez que o técnico belga viu esse inselberg manifestou grande curiosidade e fez várias perguntas sobre o tipo de rocha que o constituía, qual a sua possível origem,  etc.
Numa segunda visita, esse técnico fez-se acompanhar de uma mala maior que o habitual e, já próximo do tal “inselberg”, perguntou se era possível  ir até lá pois queria observá-lo de perto. Como havia uma estrada que permitia isso, e considerando que seria apenas um pequeno atraso na missão, todos concordaram em ir ver de perto aquela imponente massa rochosa.
Ao sairem das viaturas, repararam que o belga foi à mala buscar umas cordas e vários outros apetrechos, levou-os para junto da rocha e esteve vários minutos a observá-la. Quando lhe perguntaram o que ia fazer,  ele então disse:
-A minha grande paixão é o alpinismo e não posso perder a oportunidade de escalar este rochedo! Não saio daqui sem subir ao topo!
É claro que o pequeno atraso que se previa, transformou-se num atraso de várias horas...

INTELIGÊNCIA ACIMA DA MÉDIA
Este facto insólito não se passou no IIAA mas num outro Instituto angolano e foi-me contado pela colega que o protagonizou.
Essa nossa colega foi admitida como funcionária do Instituto em questão e, a seguir à tomada de posse, o Director disse-lhe que gostaria de ter uma conversa em privado com ela e poderia dirigir-se ao gabinete dele, quando  tivesse oportunidade. Muito naturalmente pensou que seria uma conversa para o Director lhe transmitir esclarecimentos ou instruções sobre  normas de trabalho e procedimentos na instituição.
Contudo, quando falou com o Director, ficou incrédula com o que ouviu:
- Pedi que viesse ao meu gabinete porque  a  colega não me conhece ainda e, por isso, é importante que lhe diga o seguinte:
-Quando estiver a falar comigo, se não conseguir perceber  nada do que eu estou a dizer-lhe, por favor, interrompa-me e peça para eu repetir tudo desde o início porque a culpa não é sua, mas sim minha. E sabe porquê? É porque eu  tenho uma inteligência muito acima da média , e como o meu raciocínio é  extremamente veloz, por mais que tente, não consigo acompanhá-lo com palavras. Compreende?
Não sei se a nossa colega teve de pedir alguma vez ao Director para repetir o que ele estava a dizer...


José Constantino Sequeira

1 comentário:

  1. você ainda trabalha na africa?
    O que é necessário para trabalhar lá?
    E estágio? Eu formo em novembro do ano que vem e tenho interesse nessa ideia.

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