Casa do Ribatejo 65

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A PROBLEMÁTICA DA CLASSIFICAÇÃO E DA NOMENCLATURA TAXONÓMICA DAS PLANTAS

 A            José Alves Ribeiro, Prof.Emérito-UTAD



                     

         Teofrasto (380-287 A.C.), discípulo de Aristóteles, é considerado o mais clássico patriarca da botânica. Os seus escritos, baseados nas suas observações da natureza, incluem livros como "Historia Plantarum" e "De Causis Plantarum", escritos em grego e mais tarde, traduzidos em Sírio, Árabe e Latim.
         Reconhece distinções entre mono e dicotiledóneas, ovários em posição súpera (acima da base das pétalas) e ínfera em diversas flores, sendo também o primeiro a reconhecer a polinização e a sexualidade nas plantas.
         Descreveu 500 espécies vegetais o que só por si representa um grande pioneirismo científico no espírito da época.
         Quatro séculos mais tarde Dioscorides descreve 600 espécies de plantas e meio século depois deste, Plínio o velho  escritor romano do 2º século depois de Cristo, descreve cerca de 1000. Na idade Média há que realçar Alberto Magno (1193-1280) como um dos maiores colectores de plantas de toda a Europa, numa época em que foram os monges no recolhimento dos seus conventos quem mais se dedicou ao estudo das plantas e das suas aplicações na herbanária medicinal, no fabrico de licores, etc.
         Na Renascença sobressaem nomes como Dadoens, Obel, Ecluse (Clusius) Dela Porta, Frei Mutis, Oviedo y Valdez (espanhóis) e Garcia da Orta e Frei Cristovão de Lisboa (portugueses) isto para falar só dos europeus, pois também os árabes deram nessa época grande deenvolvimento à Ciência Botânica pela sua ancestral sabedoria sobre plantas aromáticas e medicinais, salientando-se nomes como Avicena, Avenzoar e
Ibn-el-Beithar, que eram, no seu tempo, célebres médicos e herbalistas.
         A problemática da classificação e da nomenclatura tornava-se entretanto cada vez mais complicada, até porque não havia ainda uma sistematização aceite internacionalmente e o rigor científico acerca dos parâmetros em que se baseava a botânica era ainda algo empírica e rudimentar.
         John Parkinson (1569-1629), botânico e farmacêutico londrino, organizou um catálogo hortícola no seu livro "Paradise in sole" publicado em 1628 em que o próprio autor se lamenta da confusão de nomes e de significados dados às plantas nas consultas que fez, para a elaboração desse catálogo, a horticultores, boticários e herbanários do seu tempo.
         São consideados dois períodos em relação ao percurso da botânica como ciência.
         No período dos herboristas ou herbalistas (séc. XVI e princípios do séc. XVII), as plantas eram classificadas pela sua utilidade prática. Os herbaristas mais famosos foram os alemães Otto Bruntels, Jerome Bork e Leonhart Fuchs que se dedicaram à botânica principalmente pelos usos das plantas na agricultura e na herbanária medicinal. A seguir vem o período dos proto-sistematas em que a classificação dos vegetais já obedecia a aspectos morfológicos, embora ainda sem grande rigor científico. Salientam-se nesse período os seguintes botânicos: Andrea Cesalpin, italiano (1519-1602); Joachim Yung, flamengo (1587-1657), D. H. Burckart, alemão (1676-1738), Clusius, Morrison e Tournefort.
         Clusius, botânico francês (1524-1509), Morrison, inglês (1620-1682) e logo a seguir Tournefort, francês (1656-1708) foram os antecessores, digamos assim, da taxonomia botânica, pois fizeram as primeiras tentativas para agrupar espécies vegetais que eles, pela observação, reconheciam afins.
         Destes três, o mais semelhante a Lineu no seu percurso científico, foi Charles
L' Écluse, nascido em Artois, no norte da França. Desenvolveu a nomenclatura das plantas em latim, latinizou o seu próprio nome para Carolus Clausius, (o que Lineu também virá a fazer) e publicou um livro muito curioso "Rariorum Plantarum Historia" com belas iluminuras, com figuras clássicas como Teofrasto e Dioscorides e com excelentes desenhos de plantas diversas.
         Foi contudo Carl Lineu, naturalista sueco do século XVIII (1707-1778) que também assinava o nome latinizado Carolus Linaeus, o verdadeiro fundador da Sistemática ou Taxonomia Biológica, o ramo da biologia que organiza as plantas e os animais em grupos sistematizados segundo afinidades e hierarquias. Publicou 2 tratados sobre o assunto: "Species Plantarum", em 1753 e "Sistemate Naturae" em 1756.
         Nesse sistema, os grupos fundamentais são as espécies, sendo estas agrupadas em géneros, estes em famílias (terminação aceae ou áceas ex: Rosáceas), as famílias em ordens (terminação ales ex: Rosales) e finalmente as ordens em classes (Monocotiledóneas e Dicotiledóneas) e estas em Divisões. Baseou os agrupamentos e as afinidades das plantas na estrutura floral (número, disposição e tipo de estames e de carpelos), o que foi de facto genial, pois a Genética e a Evolução, Ciências que aliás só se desenvolvem um século mais tarde, vieram provar que é na estrutura floral e frutificativa que as plantas definem a sua directriz, a sua estratégia filogenética e evolutiva, sendo portanto mais características de cada grupo e não a forma dos caules e das folhas, aspectos muito mais variáveis e inconsistentes sob o ponto de vista taxonómico, sendo usados apenas a título complementar.
         Lineu estabeleceu também uma regra de ouro da Taxonomia: a nomenclatura binomial das espécies, isto é cada espécie vegetal ou animal tem um nome científico que não é uma só palavra mas sim duas: O primeiro nome é o nome do género e o segundo nome é o denominado atributo específico, ou seja é o que identifica aquela espécie dentro do género em que está inserida.

Exemplos: trigo: Triticum aestivum L.
                                  abelha: Apis melifera L.
         Nessa regra de nomenclatura científica ficou também definitivamente estabelecido - o que aliás já os referidos antecessores vinham fazendo - que esses nomes seriam em latim ou palavras latinizadas.
         Existem convenções internacionais e regras estabelecidas para os critérios e seguir em relação ao registo de espécies novas ou à alteração da classificação taxonómica de qualquer espécie que se prove estar incorrectamente enquadrada (por exemplo provando-
-se que estará melhor inserida noutro género).
         Os nomes científicos levam à frente desse duplo nome latinizado o nome ou a abreviatura do classificador. É vulgar vermos nessa posição a letra L. que significa Lineu, ou seja essas são espécies já classificadas por esse grande cientista do séc. XVIII.
Exemplo: Quercus suber, L. Sobreiro
Exemplos de outras abreviaturas - L. f. - Lineu filho
                                                       D. C. - De Candolle
                                                       A. Br. - Alexander Braun
                                                       Wilk. - Wilkomen
         Mas também são relativamente frequentes os casos em que as espécies foram entretanto reclassificadas e então surgem dois apelidos vindo o do primeiro classificador entre parêntesis:
Exemplos: Macela dourada - Chamaemelum nobile (L.) All.
                 Salsa - Petroselinum crispum (Miller) A.W. Hill
         Toda esta introdução serviu para nos situarmos melhor na complexa problemática da nomenclatura das espécies, tanto maior quanto mais conhecidas elas são, pois as plantas daninhas, as plantas medicinais e condimentares, certas árvores e arbustos mais vulgares, e muitas das plantas de jardim (plantas ornamentais) possuem diversos nomes vulgares por vezes até variando com as regiões, e obviamente com a língua de cada nação. Daí a vantagem dos nomes científicos em que há só um aceite universalmente para cada espécie. É o tal nome duplo em palavras latinas ou latinizadas, em que os nomes dos géneros e os dos atributos específicos provêm de diversas origens semânticas conforme os casos:
         a) Podem significar aspectos morfológicos das respectivas plantas:
Ex: a1 Trifolium - género a que pertencem os trevos, e que significa "três folhas", pois os trevos têm as folhas subdivididas em três folíolos.
               a2 Acacia longifolia (Andrews) Willd.(acácia de folhas alongadas)
                                               
               a3 Adonis microcarpa D.C. (planta de frutos-carpos-minúsculos)
b) Podem ser nomes vulgares latinizados, sobretudo certos nomes muito divulgados em toda a Europa e semelhantes nas diversas línguas.
c) Podem estar conotados com regiões ou países de onde essas espécies são originárias
Ex: c1 Dianthus lusitanius Brot. (cujo classificador foi o grande botânico potuguês do séc. XVIII Avelar Brotero)
      c2 Armeria transmontana (Samp.) Laurence
      c3 Festuca brigantina Markgr. - Dannemb
d) Podem ser nomes de homenagem a botânicos célebres ou o nome do próprio botânico que descobriu, e eventualmente descreveu e classificou essa espécie.
Ex: d1 Malva tournefortiana L.(homenagem a Tournefort, botânico francês já referido atrás)
d2 Welwitchia mirabilis Hook-nome científico de uma gimnospérmica raríssima e arcaica só existente no deserto da Namíbia e Moçamedes e descoberta para a Ciência Botânica pelo alemão Welwitch.
e) Podem estar conotados com secreções ou essências elaboradas pelas respectivas espécies.
Ex: e1 Mentha piperita  L. (hortelã-pimenta), secretora de mentol
e2 Pistacia terebinthus L. espécie secretora de terebentina
e3 Lactuca sativa L. (alface) - secretora de latex (como todas as leitugas, enfórbias, figueiras e outras)
         Também a seringueira (Hevea brasiliensis Muell.), a árvore da borracha existente na Amazónia, é produtora de latex. matéria-prima da borracha natural.
         Em relação aos nomes latinos, existem regras derivadas do próprio latim (caso das declinações) e por exemplo vocábulos relaccionados com a flor podem surgir diversos, devido às referidas declinações:
         nominativo - flos (a flor-sujeito)
acusativo - florem (a flor-predicado)
genitivo - floris (da flor)
dativo - flori (para a flor)
ablativo - flore (do ou a partir da flor)
e no plural será respectivamente flores, flores, florum, floribus e floribus.
         Aconteceram naturalmente alguns fenómenos linguísticos curiosos ao longo dos tempos, como por exemplo translacções de conceitos e de vocábulos entre os nomes botânicos (nomes científicos usados quase exclusivamente pelos cientistas e estudiosos) e os nomes vulgares usados no dia a dia por toda a gente. É o caso da vulgarização de nomes científicos de plantas exóticas introduzidas como ornamentais como por exemplo a esterlícia, (de Sterlitzia sp.) ou a gerbera, que é exactamente o mesmo nome botânico (Gerbera  sp.).
         Também se passou o contrário, pois muitos nomes científicos foram a latinização de nomes vulgares já há muito divulgados em países da Europa e por vezes até muito semelhantes nas diversas línguas.
         Existem casos da confusão no que respeita a estas conotações entre os nomes científicos e os nomes vulgares. É o caso do rosmaninho.
         - Nome científico do rosmaninho:
                       Lavandula pedunculata L.
- Nome científico do alecrim: (arbusto da mesma família botânica do rosmaninho e que é a família das Labiadas ou Labitae):
              Rosmarinus officinalis L.
         Houve claramente uma troca de vocábulos entre a designação das duas espécies . Quanto a isto os bragançanos estão isentos de culpa pois possuem um regionalismo próprio para o rosmaninho que é um vocábulo com outra origem: arçã.
         Já agora vamos saber o significado do atributo específico officinalis, relativamente frequente em plantas aromáticas e medicinais: officinalis vem de oficina ou botica, isto é bem identificativo de plantas desde há muito usadas como medicinais. Também o vocábulo Lavandula significa usada para lavagens ou seja para banhos, e de facto a alfazema (Lavandula officinalis L.), planta do mesmo género do rosmaninho, fora muito usada para perfumar os banhos desde o tempo dos romanos.
         Muitos outros nomes são frequentes e dizem respeito à utilização ou utilidade das respectivas espécies:
a) Esculenta, esculentum ou esculentus significam comestível, assim como culinária.
Ex: Cyperus esculentus L. juncinha - planta daninha cujos tubérculos são comestíveis.
        Manihot esculenta Crantz - mandioca
Lycopersicum esculentum Miller - tomateiro
Lens culinaria Medicus - lentilha
b) Sativa, sativum ou sativus significam cultivada
Ex: Vicia sativa L. - ervilhaca
Pisum sativum  L. - ervilha
Ornithopus sativus Brot. - serradela
c) Arvensis e campestris significam plantas dos campos:
Ex: Veronica arvensis L.
Luzula campestris (L.) D.C.
e nestes casos estão muitas das plantas infestantes ou ervas daninhas das culturas agrícolas, com a ressalva que não deixaremos de aqui registar, de que muitas das denominadas ervas daninhas são, ou podem ser, plantas úteis, pois muitas delas são potenciais forrageiras, medicinais, condimentares ou melíferas. Talvez devessemos alterar a imagem demasiado negativa que, por tradição, vai pesando sobre este grupo de plantas, aliás geneticamente muito evoluído e competitivo.
         Quanto a nomes correlacionados com as secrecções das plantas, já referimos o caso das hortelãs, poêjos e mentastros (género Mentha) secretoras de mentol, e podemos referir o caso da erva-pata (Oxalis pes-caprae L.) rica em ácido oxálico, infestante com origem na África do Sul, também conhecida por trevo-azedo, isto porque tem as folhas trifoliadas como os trevos e um sabor muito acre (nem o gado o come) devido ao referido alto teor em ácido oxálico. Aí está um caso em que o nome vulgar de uma planta está correlaccionado com semelhanças morfológicas com outra espécie. Aliás alguns dos próprios nomes científicos usam essas comparações:
Ex: Casuarina equisetifolia Forst. - (Casuarina com folhas semelhantes ao Equisetum que é uma planta herbácea conhecida por erva-pinheirinha)
Dianthus laricifolius Boiss. et Reuter - Cravina com folhas semelhantes ao larício.
Devo lembrar que na nomenclatura científica da Taxonimia não é apenas o latim a língua base, pois também o grego tem forte presença, embora em segundo plano. Vamos dar dois exemplos de nomes botânicos com base na língua grega, curiosamente dois nomes que são sinonímias da mesma espécie, a vulgar carqueja – Chamaespartium tridentatum (L.) P.Gibbs e Pterospartum tridentatum ( L.) Willk. Chamae significa rasteiro e ptero significa asa, ou seja a carqueja é um arbusto – spartum  - rasteiro e de caules alados.
         Mas há mais casos interessantes em relacção aos nomes das plantas:
a - Por vezes nomes menos conhecidos e mais restritos a certas regiões (regionalismos), considerados mais rústicos, são paradoxalmente os mais próximos dos nomes científicos: é o caso do vulgar medronheiro, também conhecido em Trás-os-Montes e Alto Douro como êrvodo ou êrvedo, vocábulo conotado com o nome científico Arbutus unedo L.
b - É muito curiosa a maneira de nomear certas plantas condimentares e medicinais, correlacionando-as imaginosamente com outros aspectos da utilização das coisas: caso do tomilho vulgar (Thymus zygis L.) que é conhecido na região bragançana e mirandesa como sal-puro ou sal-purinho - a correlacção com o facto de poder ser um sucedâneo do sal na condimentação da comida. No fundo um sal da terra.
c - Também como proveniente da terra o nome da planta medicinal Centaureum erythrae Rafn. -fel-da-terra- e fel devido a que, sendo boa para doenças do foro digestivo, tem, como medicamento, um sabor bastante amargo.
d - Aliás muitas plantas medicinais tem nomes relaccionados com as receitas e os usos ancestrais no tratamento de males e doenças. Caso da erva-das-sete--sangrias (Lithodora postrata (Loisel.) Griseb ou com a herança conventual dessa antiga sabedoria, caso da erva-de-S.Roberto, aspecto aliás transferido para o próprio nome científico - Geranium robertianum  L.
e - Muitos nomes de aldeias, vilas e cidades vêm de nomes de plantas:
Avelêda, Carqueijal, Carrascal, Carrazêdo, Carvalhal,  Ervedêdo, Ervedosa, Estevais, Feteira, Torguêda, Fiolhoso, Souto, Funchal, Olmos, Reborêdo, Rosmaninhal, Sanguinhêdo, Sobrêda, Soutelinho, Soutelo, Teixêdo, Tojeira, Troviscal, Urgeiriça, Zambujal, Zimbreira, etc. e seria bom que essa toponímia fosse melhor conhecida, até dos próprios habitantes dessas povoações, para assim terem melhor consciência cultural das suas próprias "raízes".
         Finalmente não poderei rematar esta pequena resenha sem chamar a atenção dos leitores para a necessidade premente da preservação deste património ao mesmo tempo cultural e ecológico, que é o da botânica, quer no seu contexto de reino da natureza tão mal conhecido e mal estudado nas escolas portuguesas e tão mal tratado nos seus diversos ecossistemas onde a flora e a fauna andam tão mal acarinhadas, no dia a dia "bárbaro" do nosso país, quer no contexto linguístico, para o qual este humilde artigo tentou chamar a atenção. Bem hajam pela vossa leitura.

Bibliografia
J. Vasconcellos, 1950. Botânica Agrícola. Ed. D.G.S.A. - Ministério da Economia.
Oliveira Feijão, 1960. Elucidário Fitológico. Ed. Intituto Botânico de Lisboa.
Fátima Rocha, 1979. Nomes vulgares e botânicos de plantas infestantes.
Ed. D.G.P.P.A. - Ministério da Agricultura.
Tutin et al., 1980. Flora Europae. Ed. Cambridge Univ. Press.
J.A. Franco, 1971 e 1981. Nova Flora de Portugal. Ed. do autor.
Gledhill, 1985. The names of Plants. Ed. Cambridge Univ. Press.
Pio Font QUer, 1990. Plantas medicinales. Ed. Labor.

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